Agora antes de
sair de casa, eu fecho os olhos e penso: preciso voltar
Dou cada passo
de forma cautelosa, pra não me acidentar e não me perder no caminho
Ando nas ruas
observando aquilo o que todo mundo vê, e o que ninguém vê eu fotografo e levo
pra casa, faço molduras de papel reciclado.
Não faço nada
que não esteja no mesmo roteiro, nada que altere meus dias e que me exponha ao
ridículo.
Confessei ontem
ao espelho que tinha medo, confessei, pois sei que ele nunca irá contar pra
ninguém. Ninguém saberá que sou humano.
Ponho as mãos
nos bolsos e saio, me protejo da chuva e do sol, evito ficar mais doente, evito
perder noites de sono, evito perder tempo.
Escolho as
músicas que ouço enquanto cozinho, enquanto fico deitado no ninho, fugindo do
frio.
Aos poucos fui me descobrindo uma pessoa solitária, uma
pessoa com vocação pra sofrer, pra ficar em casa enquanto todo mundo está na
rua fazendo da vida uma festa.
Não é que a vida
não preste, é que hoje eu descobri que é preciso recomeçar
Tirar o pé da
lama.
Inventar
romances, inventar uma alegria, qualquer uma que me deixe mais vivo e que aos
poucos, eu possa ir perdendo este meu semblante de morte.
E quem sabe
talvez eu me descubra o sujeito mais forte, mais viril, alguém capaz de
recomeçar quando todo mundo se desgastar e for pra puta que pariu?
Passo horas vendo
TV, procurando noticias no computador, não tenho mais saco pra ficar no bate
papo.
As pessoas não
se mostram como são, fingem ser heróis, fingem ser amantes e na verdade só
querem passar o tempo.
Mudei o meu
papel de parede, pus um cara legal, que
tem otimismo. Tem força e tal.
As minhas roupas
foram rasgando aos poucos, substituído quase tudo, apenas deixei a que ganhei
de presente.
Não é mudar por
ninguém, mudar por nada é mudar por mim.
É me ver além do
que eu mesmo imagino, é recomeçar quando for preciso. E hoje, eu preciso voltar
ao inicio, e dizer até mais.
Lembro de ontem, como se fosse hoje, mas não
preciso repetir as palavras, os gestos banais de alguém, que em meio à loucura
parecia incapaz de mudar, de recomeçar.
Então:
Todos os dias
agora eu tomo café da manhã
Ponho um bom
disco e danço até não querer mais
Depois vou pro
banho e passo horas na ducha
Digo a verdade
por telefone
Pouco me importa
se faço as coisas na cara dura
Vou a sebo e
compro livros e discos usados
Adoro ver as
dedicatórias
Leio muito hoje,
mas do que antes, mais do que preciso
Não nego,
escondo o sorriso, não o dou a todo mundo
Não sei quem são
meus inimigos
Perdi o bom
censo e o equilíbrio
Procuro buscá-lo
em outras filosofias
Ainda me falta
um deus, alguém capaz de me dá fé
Comecei ontem a
ouvir jazz
Passo horas
olhando as variadas cartas que mandei
As juras de amor
que fiz, e que hoje não sei aonde se foram
Vou trabalhar...
Recomecei um
velho hábito
Perdi outros,
encontrei antigos romances
Mas, não quero
nenhum
Preciso de
tempo, pra recomeçar
De sexo talvez,
mas não dessa vez
Irei me doar
Ainda ouço o
Clube da Esquina
Leio Drumond e
Clarice Lispector
Mas prefiro o
Pessoa e Kerouac
Não tenho manias
Tenho dinheiro
Um pouco talvez,
mas dá pra ir ao cinema todas as sextas
Adoro beber wihski, mas não bebo mais nada
Passo horas em
casa vendo TV
Tenho outros
amigos;
Todos parecem
legais, alguns nem faço questão de encontrar e outros nem quero lembrar
Não tenho tesão
em ir pras noites, ficar horas em pé de copo na mão
E tudo o que
faço é recomeçar
Trilho novos
caminhos, novos horizontes
Comecei a fazer
planos pro futuro, antes nem isso eu fazia
Só perco tempo
nos supermercados, olhando as mais diferentes embalagens de tomates
Nunca entendi o
porquê, mas faço mesmo sem saber pra que.
Recentemente,
comprei o disco do Caetano, não é tão legal
Prefiro os
antigos, o "Transa e o Jóia".
O primeiro é
antes do exílio e o outro depois,
Leio a biografia
do Bob Dylan e do Ernesto Guevara
Decidi fazer
minha primeira tatuagem
Será a capa do
disco “Alucinação” do Belchior
Curiosamente,
meus gostos musicais não se alteram
Descobri que
eles são meu ponto de equilíbrio
Descobri muitas
coisas
Descobri o
quanto podemos ser forte
O quanto tudo pode
ser lindo e maravilho; portanto, prefiro a realidade
Estou limpo, não
uso drogas, apenas leio muito
Fujo da
realidade, ela nunca me fez bem
E continuo dando
passos até o fim da rua e lá
Sempre recordo
que preciso voltar pra casa, e volto.
30 de julho de
2012.
Escrito em Memorial Pontes de
Miranda.