segunda-feira, 30 de julho de 2012

Recomeçar - nº 1.




Agora antes de sair de casa, eu fecho os olhos e penso: preciso voltar
Dou cada passo de forma cautelosa, pra não me acidentar e não me perder no caminho
Ando nas ruas observando aquilo o que todo mundo vê, e o que ninguém vê eu fotografo e levo pra casa, faço molduras de papel reciclado.
Não faço nada que não esteja no mesmo roteiro, nada que altere meus dias e que me exponha ao ridículo.
Confessei ontem ao espelho que tinha medo, confessei, pois sei que ele nunca irá contar pra ninguém. Ninguém saberá que sou humano.
Ponho as mãos nos bolsos e saio, me protejo da chuva e do sol, evito ficar mais doente, evito perder noites de sono, evito perder tempo.
Escolho as músicas que ouço enquanto cozinho, enquanto fico deitado no ninho, fugindo do frio.
Aos poucos  fui me descobrindo uma pessoa solitária, uma pessoa com vocação pra sofrer, pra ficar em casa enquanto todo mundo está na rua fazendo da vida uma festa.
Não é que a vida não preste, é que hoje eu descobri que é preciso recomeçar
Tirar o pé da lama.
Inventar romances, inventar uma alegria, qualquer uma que me deixe mais vivo e que aos poucos, eu possa ir perdendo este meu semblante de morte.
E quem sabe talvez eu me descubra o sujeito mais forte, mais viril, alguém capaz de recomeçar quando todo mundo se desgastar e for pra puta que pariu?
Passo horas vendo TV, procurando noticias no computador, não tenho mais saco pra ficar no bate papo.
As pessoas não se mostram como são, fingem ser heróis, fingem ser amantes e na verdade só querem passar o tempo.
Mudei o meu papel de parede, pus um cara legal, que  tem otimismo. Tem força e tal.
As minhas roupas foram rasgando aos poucos, substituído quase tudo, apenas deixei a que ganhei de presente.
Não é mudar por ninguém, mudar por nada é mudar por mim.
É me ver além do que eu mesmo imagino, é recomeçar quando for preciso. E hoje, eu preciso voltar ao inicio, e dizer até mais.
Lembro de ontem, como se fosse hoje, mas não preciso repetir as palavras, os gestos banais de alguém, que em meio à loucura parecia incapaz de mudar, de recomeçar.
Então:
Todos os dias agora eu tomo café da manhã
Ponho um bom disco e danço até não querer mais
Depois vou pro banho e passo horas na ducha
Digo a verdade por telefone
Pouco me importa se faço as coisas na cara dura
Vou a sebo e compro livros e discos usados
Adoro ver as dedicatórias
Leio muito hoje, mas do que antes, mais do que preciso
Não nego, escondo o sorriso, não o dou a todo mundo
Não sei quem são meus inimigos
Perdi o bom censo e o equilíbrio
Procuro buscá-lo em outras filosofias
Ainda me falta um deus, alguém capaz de me dá fé
Comecei ontem a ouvir jazz
Passo horas olhando as variadas cartas que mandei
As juras de amor que fiz, e que hoje não sei aonde se foram
Vou trabalhar...
Recomecei um velho hábito
Perdi outros, encontrei antigos romances
Mas, não quero nenhum
Preciso de tempo, pra recomeçar
De sexo talvez, mas não dessa vez
Irei me doar
Ainda ouço o Clube da Esquina
Leio Drumond e Clarice Lispector
Mas prefiro o Pessoa e Kerouac
Não tenho manias
Tenho dinheiro
Um pouco talvez, mas dá pra ir ao cinema todas as sextas
Adoro beber  wihski, mas não bebo mais nada
Passo horas em casa vendo TV
Tenho outros amigos;
Todos parecem legais, alguns nem faço questão de encontrar e outros nem quero lembrar
Não tenho tesão em ir pras noites, ficar horas em pé de copo na mão
E tudo o que faço é recomeçar
Trilho novos caminhos, novos horizontes
Comecei a fazer planos pro futuro, antes nem isso eu fazia
Só perco tempo nos supermercados, olhando as mais diferentes embalagens de tomates
Nunca entendi o porquê, mas faço mesmo sem saber pra que.
Recentemente, comprei o disco do Caetano, não é tão legal
Prefiro os antigos, o "Transa e o Jóia".
O primeiro é antes do exílio e o outro depois,
Leio a biografia do Bob Dylan e do Ernesto Guevara
Decidi fazer minha primeira tatuagem
Será a capa do disco “Alucinação” do Belchior
Curiosamente, meus gostos musicais não se alteram
Descobri que eles são meu ponto de equilíbrio
Descobri muitas coisas
Descobri o quanto podemos ser forte
O quanto tudo pode ser lindo e maravilho; portanto, prefiro a realidade
Estou limpo, não uso drogas, apenas leio muito
Fujo da realidade, ela nunca me fez bem
E continuo dando passos até o fim da rua e lá
Sempre recordo que preciso voltar pra casa, e volto.

30 de julho de 2012.
Escrito em  Memorial Pontes de Miranda.

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